segunda-feira, 15 de maio de 2023

Neopentecostais intimidam adeptos de religiões afro a frequentarem igrejas evangélicas

 Com assédio público, neopentecostais intimidam adeptos de religiões afro a frequentarem igrejas evangélicas

Em Pernambuco, clientes e vendedores são tratados como 'demoníacos' em feira livre, e prefeitura quase tirou Fogueira de Xangô das festividades juninas.


Dona Francisca já foi a última umbandista de sua comunidade quilombola. Não mais. Foto: Gessica Amorim.

ESSES DIAS, LI UMA DAS COISAS mais tristes dos últimos anos. Era a história do reencontro de Géssica Amorim, idealizadora do Coletivo Acauã, com dona Francisca dos Santos, de 73 anos, que conheceu em 2021. Francisca era a última umbandista da comunidade quilombola Teixeira, em Betânia, no sertão de Pernambuco. Estava tudo em uma matéria publicada pelo Acauã em parceria com a Marco Zero Conteúdo.

Dona Francisca era a última, não é mais. 

Pressionada por uma maioria de neopentecostais presente no povoado com cerca de 300 habitantes, ela abandonou a umbanda, que a acompanhou durante toda a vida. Agora, ela frequenta a Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada em 1998 em Sorocaba, São Paulo, pelo pastor Valdemiro Santiago, dono de 6 mil templos em todo país e de uma série de processos na justiça. “É ruim você ser julgada por um mal que não fez. Eu sofria muito”, disse ela para Géssica ao explicar sua forçada conversão.

O texto sobre o processo violento enfrentado por Francisca ainda estava na minha tela quando soube da exclusão da Fogueira de Xangô, criada pelos povos de terreiro de Caruaru, na programação junina. A festa de São João do município é um dos maiores eventos de Pernambuco. 

Uma semana antes, através de um trabalho realizado por estudantes da UFPE, na qual sou docente, também soube que a Feira de Ervas, que faz parte do complexo da famosa Feira de Caruaru, vem sofrendo há anos reiterados constrangimentos provocados por pessoas e grupos neopentecostais. Comerciantes que trabalham no local e os clientes que circulam por ali, uma boa parte praticantes de religiões afro-brasileiras, são coagidos e expostos como “demoníacos”. 

“Se o cliente for uma pessoa que ainda está se iniciando na religião e é assediado, nem entra aqui na loja, fica intimidado, com medo de ser exposto. É comum que as pessoas passem, olhem e se benzam”, disse a pedagoga e comerciante Maria Eugênisa Azevedo da Silva, dona da Barraca Da Paz, há seis anos negociando na Feira de Ervas caruaruense. Ela revela que os constrangimentos impostos por membros de congregações neopentecostais da cidade são comuns no corredor no qual estão lojas como a sua, com direito a sessões de oração e tentativas de conversão como estratégias dos evangélicos.  

Essas ações têm causado impacto nos negócios de quem trabalha ali, afugentando compradoras e compradores. Maria é interpelada pela arrogância de quem instrumentaliza Cristo constantemente. “Já aconteceu comigo. A pessoa vem aqui e tenta me converter, vem dizer que minha prática é pecadora, vem com lição de moral.” Ela é católica e conhece bem o uso de ervas e chás procurados não apenas por praticantes da umbanda, jurema ou candomblé, mas pela população em geral, que busca as propriedades medicinais das raízes e cascas. Em sua loja, ainda vende produtos como pulseiras, figas, tarôs, garfos de Exu, defumadores, guias, Shivas e flechas.  

Ela definiu os constantes assédios como “pura ignorância” e me contou que uma colega de uma cidade próxima, Chã Grande, teve a casa e o terreiro completamente queimados por um morador local há dois anos. Os atos de intolerância religiosa cresceram no Brasil ano passado, de acordo com dados da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, a Renafro. 

Não é a primeira vez que a Feira de Ervas é  tratada de maneira distinta, o que é significativo em relação à vulnerabilidade de quem negocia ou compra ali. No documento que declarou a Feira de Caruaru como Patrimônio Imaterial pelo o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2006 (título revalidado em 2021), lemos:

“Esse lugar apontado como objeto de registro pelo Iphan, corresponde, hoje, a um conjunto de equipamentos e feiras formado pela Feira do Gado; pela Feira do Artesanato, aí incluído o Museu do Cordel – ponto de exposição, produção e reprodução de expressões artísticas populares; pelos Mercados da Carne e da Farinha situados no Parque 18 de Maio; e pela chamada Feira Livre com todas as suas ‘feiras’ ou subdivisões, inclusive a das confecções populares e a chamada ‘feira’ do Troca-Troca”. Apesar de ter sido uma das primeiras práticas a dar origem ao conglomerado comercial cuja primeira formação remonta ao final do século 18, a feira de ervas, com seus orixás, cascas de caju roxo, Pombagiras e Zé Pilintras, não foi citada no texto.

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